34.3

A Homofobia veste verde?

Giovana Capucim e Silva 10 de abril de 2012

O primeiro texto que escrevi para a sessão “Arquibancada” do Ludopédio teve como tema os silêncios que cercam a homofobia no futebol. Nele falei, em particular, das polêmicas em torno da figura do jogador Richarlyson. Deixo de lado meu temor em ser repetitiva, pois é bem maior minha indignação com a nova polêmica envolvendo o jogador no início desse ano. Mais uma vez, aparece envolvido o nome da Sociedade Esportiva Palmeiras. O primeiro fato controverso envolvendo o atleta e a agremiação aconteceu em 2005, antes de o profissional ser contratado pelo São Paulo F. C. Na época Richarlyson chegou a fazer exames médicos no Palmeiras tendo tudo acertado com o clube, surpreendendo a todos seu acerto definitivo com o rival tricolor. Isso causou uma sensação de “traição” nos torcedores e na diretoria palmeirense. As animosidades de palestrinos com o jogador não pararam por aí. No entanto, as desavenças saíram do campo do profissionalismo e passaram ao desrespeito pessoal. Não vou retomar aqui toda a situação que em 2007 levou um dirigente palmeirense a afirmar que o jogador é homossexual havendo uma série de consequências até judiciais.

Richarlyson
Paulista 2007 – Sao Paulo x Palmeiras – Na foto, Wendel (Palmeiras) e Richarlyson (Sao Paulo) durante a partida disputada no estadio do Morumbi, zona sul de Sao Paulo – Foto: Photocamera

Seguindo a tradição de confusão entre o atleta e o clube nos anos ímpares, ao final da temporada 2011 houve nova tentativa de contratação do jogador pelo Palmeiras. Dessa vez a responsável pelas animosidades foi a própria torcida que reagiu à notícia da possível vinda de Richarlyson para o clube levando a expressão “fora Richarlyson” à terceira posição entre os assuntos mais comentados no Brasil numa rede social. Caso fossem apenas questões identitárias ou de “amor à camisa” que impedissem a vinda do atleta para o Palestra Itália o tema desse texto não seria a homofobia. Nessa manifestação no mundo virtual não foi incomum encontrar postagens homofóbicas, tais quais “Trocar Pierre por Richarlyson NÃO é sacanagem, é VIADAGEM!”, ou “Palmeiras sai do armário e contrata Richarlyson.”. Entretanto, essas mensagens não circularam na imprensa esportiva, conforme veremos a seguir. Além disso, as manifestações homofóbicas da torcida palmeirense não pararam por aí.

A principal torcida organizada do Palmeiras, a Mancha Alviverde, promoveu antes do início da temporada 2012 uma manifestação protestando contra a lentidão da diretoria do clube na busca de reforços e nesta uma faixa chamou a atenção. Ela trazia os dizeres “a homofobia veste verde”. É bom esclarecer que a manifestação aconteceu na semana seguinte ao citado movimento na internet. Nenhum torcedor presente no local quis dar explicações à imprensa a respeito da faixa.

Como sabemos, a diretoria alviverde acabou desistindo da contratação do atleta, mas isso é irrelevante para esse texto. Novamente trago à baila meu texto anterior sobre os silêncios que cercam o tema da homofobia no futebol brasileiro. A atitude da organizada palestrina é de uma violência gravíssima e mais: ocorreu na primeira semana de janeiro quando as redes de mídia estão “caçando” notícias, já que os campeonatos nacionais (e internacionais) estão em férias. Nada disso foi suficiente para quebrar a barreira que impede a entrada dos debates sobre homofobia nos noticiários esportivos brasileiros.

Para comprovar o que afirmo, fiz um exercício simples: coloquei “Richarlyson no Palmeiras” no site de buscas mais usado. Abri somente as notícias que estavam nos domínios dos 15 mais acessados no país . Fui somente até o fim da página dois das buscas por opção metodológica. O resultado foram três reportagens do domínio “UOL” (incluindo uma da Folha que é parceira do grupo) e duas do domínio Terra. Das cinco, apenas uma trazia menção à faixa da homofobia. Observando a data das notícias vê-se que as outras quatro saíram antes do manifesto homofóbico da torcida, mas depois do movimento da internet. Sobre ele, apenas duas reportagens o mencionaram. Uma citou apenas “tuitadas” que não faziam menção à orientação sexual do jogador. A outra tentou atenuar a violência das mensagens afirmando que “parte das mensagens continha um viés homofóbico.” .

Torcida do Palmeiras mostra a sua camisa
Torcida do Palmeiras mostra a sua camisa. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Isso revela aquilo que venho tentando demonstrar: apesar da violência da atitude desse grupo de palmeirenses não houve grande repercussão na imprensa esportiva, sequer na digital que é tida como espaço para notícias “menores”, uma vez que não possui tempo ou espaço limitado como os meios audiovisuais e impressos.

Conforme crescia minha indignação diante de tal resultado fiz novo teste: utilizando os mesmos procedimentos da pesquisa anterior coloquei “homofobia veste verde” no buscador. Dessa vez inverteu-se a proporção: um texto do domínio Terra e quatro do UOL. Entretanto, apenas a reportagem do primeiro estava na seção de esportes, já as demais estavam em blogs ou sites que tratam sobre comportamento, política e específicos sobre notícias LGBTT. Nesses casos há, sim, a intenção de denúncia e um tom de indignação do jornalista a respeito das proposições. Há, inclusive, uma notícia que afirma que a torcida organizada pode ser condenada a pagar uma multa em razão da faixa . Não encontrei qualquer notícia que aponte uma resolução para o caso.

Como se pode observar não se pode, e nem é minha intenção, afirmar que não há debate sobre homofobia na sociedade, mas, sim, alertar para a força que blinda a entrada desses debates na imprensa esportiva, particularmente, no que diz respeito ao futebol. Parece-me que há um esforço para demonstrar que a homofobia não faz parte do universo do futebol, como se fosse algo que existisse, mas somente em outros espaços. Como se o futebol não estivesse inserido em nossa sociedade heteronormativa.

Homofobia
Participantes do 6º Seminário Nacional LGBT sobre os direitos dos homossexuais, realizado na Câmara, fazem manifestação na rampa do Congresso Nacional Foto: Antonio Cruz/ABr

Mais uma vez me vem à mente uma fala a respeito de Richarlyson quando o atleta processou um dirigente palmeirense por afirmar que ele era homossexual. O processo foi arquivado e na sentença havia asserções preconceituosas como “futebol é jogo viril, varonil, não homossexual” ou “[um fã de futebol] jamais conceberia um ídolo seu homossexual” . Tudo isso reforça a existência em nossa sociedade do julgamento do homossexual como um ser humano “menor”, “doente” e incapaz de realizar coisas extraordinárias. Faço questão de finalizar esse texto com uma frase do ator estadunidense Johnny Galecky ao se explicar sobre o porquê de não se defender dos rumores sobre sua possível homossexualidade: “Por que se defender de algo que não é ofensivo?” . O seu silêncio, evidentemente, é de uma natureza muito diversa do que o mantido pela imprensa esportiva.

_______
[1] Ver CAPUCIM E SILVA, Giovana. Os ecos do silêncio: a homofobia no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 14, n. 2, 2010.

[2] De acordo com GINFOTEC são, portanto: UOL, Terra e Globo.

[3] Notícia sobre Richarlyson no Palmeiras causa revolta

[4] Torcida do Palmeiras pode pagar multa de R$ 55 mil por faixa “A Homofobia Veste Verde”

[5] http://acertodecontas.blog.br/sala-de-justica/juiz-nega-ao-de-jogador-e-diz-que-futebol-para-macho/

[6] Tradução livre de Johnny Galecki on Gay Rumors: ‘Why Defend Yourself Against Something That’s Not Offensive?’

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Giovana Capucim e Silva

Mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP) e é integrante do GIEF (Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol) e do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas-USP).

Como citar

SILVA, Giovana Capucim e. A Homofobia veste verde?. Ludopédio, São Paulo, v. 34, n. 3, 2012.
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