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Os ecos do silêncio: a homofobia no futebol

Giovana Capucim e Silva 7 de agosto de 2010

Apesar de bastante pontuais, vemos algumas discussões sobre a presença do racismo no futebol, tanto na Academia, quanto nas mesas de debate televisionadas ao redor do mundo. Entretanto, não vemos, em nenhum nível, a discussão sobre a presença da homofobia neste esporte. De acordo com algumas pesquisas1, cerca de 10% da população mundial é homossexual. Desta maneira, é bastante improvável que não haja nenhum atleta de grande clube, ou mesmo de seleção, que o seja. O fato de termos apenas um caso de um jogador de futebol que tenha assumido publicamente sua homossexualidade pode apontar para uma insegurança com relação às conseqüências que a publicização deste fato poderia trazer para a vida e a carreira do atleta.

Este é o do jogador inglês Justin Fashanu, que tornou pública sua orientação sexual em 1990. Foi ele, também, o primeiro jogador negro dessa nacionalidade a ser transferido por mais de um milhão de libras. O atleta se enforcou na garagem de sua casa após oito anos de perseguição, deixando uma nota afirmando que não desejava causar mais nenhum embaraço2. Esse caso que nos soa tão exemplar para abrir os debates sobre a homofobia no ambiente futebolístico não foi capaz de fazê-lo. A FIFA promove diversas iniciativas no sentido de banir o racismo do futebol, mas nenhum esforço se vê com outras formas de discriminação como essa.

Aliás, nesse comparativo com o racismo, temos diversos exemplos de casos que geraram grandes debates na imprensa sobre essa forma de preconceito no futebol. Isso ocorre tanto com jogadores negros no próprio campeonato nacional, quanto com atletas estrangeiros ao redor do mundo. Foram justamente esses casos, aliás, que levaram a FIFA a engendrar tal campanha visando reduzir práticas racistas no esporte. Volta-se a dizer que não há, nem por parte da entidade máxima do futebol mundial, nem por nenhuma outra que o represente e organize em nível profissional, que busque eliminar dele a homofobia.

Provavelmente, uma das grandes razões para que isso ocorra, seja o silêncio que cerca a homofobia, assim como a máxima, presente na maioria dos países nos quais o futebol é um esporte de alta popularidade, de que seria uma prática corporal para a qual os homens estariam mais preparados do que as mulheres. Desta maneira, um homossexual, que é tido no senso comum como homem de pouca virilidade e gestos afeminados, não teria a predisposição necessária para jogar futebol em alto nível. Esse tipo de pensamento está incrustado na mentalidade que cerca o futebol, de forma geral.

O caso Richarlyson: silêncio rompido?

Nessa linha de (falta de) debates, tem-se no futebol brasileiro o emblemático caso do atleta Richarlyson do São Paulo Futebol Clube. O atleta teve seu nome envolvido em boatos de que seria homossexual em meados de 2007, mas já vinha sendo vítima de algumas “brincadeiras” mais pontuais desde 2005, após uma dança na comemoração de um gol contra o Palmeiras. Desde então vem sofrendo preconceito principalmente por parte da própria torcida são-paulina. Apesar de suas boas atuações já terem lhe rendido, até mesmo, algumas convocações para a seleção brasileira. O jogador chegou a processar um dirigente do Palmeiras por afirmar que ele seria homossexual e o caso foi arquivado pelo juiz, que escreveu na sentença que futebol seria “coisa pra macho, (…) esporte viril, varonil, não homossexual,”3 sugerindo que o atleta abandonasse a carreira se fosse essa a sua situação.

O caso parece se agravar pelas “brincadeiras” promovidas por torcidas rivais, afirmando que a torcida do São Paulo Futebol Clube seria composta por homossexuais, ou “bambis”. As torcidas organizadas da equipe trabalham justamente no sentido de desvincular essa imagem de seu clube, não condizente com o jogo de futebol, como ficou claro na sentença do magistrado. Isso levou a Dragões da Real, uma das maiores torcidas organizadas do clube a emitir uma nota de repulsa à presença do atleta em boates LGBT4, chegando a pedir sua saída do clube. O atleta nega ser homossexual5, o que não impede que ele siga sendo vítima de preconceito.

Todos esses fatos envolvendo o jogador rompem com silêncio que vinha pairando sobre o tema da homofobia no futebol. No entanto, os debates que se vêem vão muito mais no sentido de extrapolar sobre a sexualidade do atleta e a forma que isso afeta ou não o seu rendimento em campo do que uma repulsa a esse tipo de preconceito no esporte, que poderia abrir espaço para campanhas como a que visa banir o racismo do futebol mundial.


1 Dentre as pesquisas, destaca-se, no Brasil, o CENSO GLS, disponível em: www.censogls.com.br, ter-se-á essa informação com mais precisão após o CENSO oficial de 2010, no qual será incluída uma questão acerca da orientação sexual. No caso global o que existem são projeções desse número feita por diversos órgãos.

2 Disponível em: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=9408 

3 A sentença não está disponível on-line, mas há trechos dela em: http://acertodecontas.blog.br/sala-de-justica/juiz-nega-ao-de-jogador-e-diz-que-futebol-para-macho/. Acesso em 27/07/2010. 

4 A nota foi retirada do site da torcida, já que ela foi acusada por grupos LGBT de conteúdo homofóbico, mas pode ser conferida em http://www.oreporter.com/detalhes.php?id=20581. Acesso em 30/07/2010

5 Entrevista em que o atleta afirma ser heterossexual está disponível em: http://mais.uol.com.br/view/zwuxgmhe6kop/richarlyson-no-fantastico-0402E0818386. Acesso em 27/08/2010.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Giovana Capucim e Silva

Mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP) e é integrante do GIEF (Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol) e do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas-USP).

Como citar

SILVA, Giovana Capucim e. Os ecos do silêncio: a homofobia no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 14, n. 2, 2010.
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