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O Palmeiras tem mundial? (parte 1)

O título deste texto é uma pergunta que tem sido feita respondida por inúmeros memes produzidos por torcedores de outros clubes como forma de satirizar o Palmeiras. A criatividade é a alma de muitos destes memes. Eu mesmo já nem consigo listar todos os que recebi, mas digo que vão desde uma mala “abandonada” em uma esteira de aeroporto a um ventilador que completa a frase “o Palmeiras não tem” Mondial, que é a marca do produtor do referido produto.

É muito difícil apontar em que momento certos discursos surgem e se espalham rapidamente. Suponho que esta história do “Palmeiras não tem mundial”, que funciona como uma campanha na internet, ganhou corpo após o seu maior rival, o Corinthians, conquistou o título de campeão do mundo em 2012 ao vencer o Chelsea, da Inglaterra.

Até aquele momento a torcida do Palmeiras brincava com a torcida do Corinthians dizendo que eles nunca haviam vencido uma Libertadores da América. De fato, a dupla conquista naquele ano de 2012 acabou com a piada pronta em relação aos corintianos.

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Mario Filho. Foto: Wikipédia.

Pois bem, diante das piadas em torno desta pergunta resolvi investigar como, principalmente o Jornal dos Sports retratou a Copa Rio de 1951. Por que o Jornal dos Sports? Mario Filho, proprietário do jornal, era um dos articuladores para organizar o campeonato mundial de clubes. Para não ficar somente na narrativa do jornal interessado, em alguns momentos, faço o contraponto com o jornal O Estado de S. Paulo como forma de tensionar outra narrativas (o contraponto do Estado de S. Paulo aparecerá somente na segunda parte do texto).

Olhar para estes dois jornais tem por objetivo permitir observar como um jornal do Rio de Janeiro especializado em esportes e um jornal de São Paulo generalista na sua cobertura olharam para o evento em questão. Não quero aqui produzir uma verdade no sentido de que foi assim que aconteceu. A minha intenção é mostrar como se construíram os discursos em torno deste campeonato internacional. Quais os pontos de ruptura, disputas e consensos produzidos no material veiculado pela imprensa da época.

Para averiguar os fatos resolvi dividir o meu texto em duas partes. A primeira vai abordar os discursos produzidos até um mês antes do início do campeonato de 1951. A segunda parte (a ser publicada daqui umas cinco semanas) vai explorar o mês de junho de 1951 e a competição em si.

Em janeiro de 1951, o Jornal dos Sports trouxe uma entrevista, que a reproduzo na íntegra, com o então presidente da FIFA, Jules Rimet. Sob o argumento de que havia um grande projeto a acontecer que necessitaria do apoio da FIFA para a sua realização. Um ponto que se destacava na fala de Rimet e que se tornou ao longo do tempo um modo de ser da FIFA e das demais entidades internacionais que controlam as mais diversas modalidades esportivas é a busca pela exclusividade do uso de determinados termos. No caso em questão a FIFA buscava garantir exclusividade em relação ao uso da palavra mundial. Assim respondeu Rimet quando perguntado sobre a competição que seria organizada naquele ano:

“O TORNEIO MUNDIAL DE CLUBES CAMPEÕES NO RIO

Outra pergunta: será verdadeira a informação de vários jornais europeus que haverá no Rio em junho e julho próximos um ‘campeonato do mundo de clubes’?… Será este projeto mais realizável?…

Li as informações a respeito deste grande projeto mas não estou oficialmente a par. Claro que para um torneio tomar o título de campeonato do mundo’, é necessária a autorização da F.I.F.A., que já se reservou, aliás, a organização de qualquer competição com este título. Há um único campeonato mundial de football, é a ‘Taça Jules Rimet’. Mas o título pouco importa. É a qualidade dos concorrentes que conferem seu valor e seu sucesso a qualquer competição. Reunir num torneio os clubes campeões do mundo inteiro ou pelo menos dos países importantes em football é uma grande idéia que preocupa os espíritos há muito tempo. Até hoje colidiu com dificuldades materiais invencíveis. Mas nada se opõe teoricamente e oficialmente à concretização do maravilhoso projeto.

O senhor não sabe absolutamente nada a respeito do futuro torneio do Rio!…

Durante minha última estadia na ‘cidade maravilhosa’ e em particular na ocasião de uma visita ao JORNAL DOS SPORTS, o Sr. Mario Filho, diretor desse grande jornal, falou-me do seu projeto de organizar a ‘Copa Rio’, torneio mundial de clubes campeões. Prometi ao grande desportista brasileiro meu apoio moral sem restrições. Mas não posso dizer que ponto chegou a concretização da ideia, embora saiba que do lado europeu, são nossos amigos Ottorino Barassi, Sir Stanley Rous e Albert Laurence, que assumiram a responsabilidade de convencer os futuros concorrentes e organizar materialmente a competição. Se um clube do Rio pedir a autorização da F.I.F.A. para organizar este torneio mundial, não há dúvida que seu pedido será deferido. E conhecendo os brasileiros como eu os conheço, não duvido tampouco que a ‘Copa Rio’ deve bisar o triunfo fantástico do Campeonato Mundial de 1950…”[i]

Jules Rimet em sua resposta ao Jornal dos Sports reconhece que havia o desejo da FIFA em organizar um mundial de clubes. Aliás, este era, de fato, um desejo antigo da entidade. O primeiro momento em que surgiu a ideia de FIFA em organizar o torneio foi em 1906, dois anos após a sua fundação (EGCENBERGER, 1986).

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Taça da Copa Rio.

As notícias sobre a Copa Rio voltaram a aparecer no Jornal dos Sports em fevereiro. A reportagem anunciava o fim do carnaval e com ele o início da temporada de futebol. Os destaques eram os jogos do torneio Rio-SP e das excursões que Vasco e São Paulo fariam a Europa. Para a disputa da Copa Rio Vasco e Palmeiras já apareciam como os representantes brasileiros, mas ainda faltavam as equipes da Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e da América do Sul (provavelmente Argentina e Uruguai). O destaque desta notícia era a continuidade do que havia apontado Jules Rimet, ou seja, a presença de Barassi à frente da organização da competição:

“Será uma Copa do Mundo mirim, que promete empolgar o público brasileiro. As providências concretas estão sendo tomadas, com a presença em nossa capital do engenheiro Ottorino Barassi. O presidente da Federação Italiana trouxe um plano para ser estudado pelos brasileiros, com o turno final para ser realizado com dois classificados de cada série inicial.”[ii]

Alguns dias depois, ainda em fevereiro, era dada a notícia de que o Sporting, de Portugal, tricampeão em 1947-48-49, também se sagraria campeão da temporada 1950-51 por conta de sua vantagem de sete pontos sobre o segundo colocado, o Porto. Ainda não havia a confirmação da participação do Racing, da Argentina. Um comunicado dizia que Barassi havia ido a Argentina no carnaval, mas havia ficado no interior de São Paulo. Sua ida para a Argentina seria apenas no final do mês de fevereiro[iii]. No entanto, a presença do campeão argentino não estava garantida por conta de divergências entre os dirigente da AFA e a CBD:

“[…] o Sr. Barassi, alto dirigente da F.I.F.A, deverá visitar Buenos Aires, quando procurará entendimentos com os dirigentes da A.F.A., tentando encontrar uma fórmula honrosa, pela qual sejam restabelecidas as boas relações entre a dirigente do football argentino e a C.B.D.”.[iv]

O teor da divergência entre a AFA e a CBD não é mencionada, mas em 1949 os argentinos não enviaram sua seleção para defender o título da Copa América[v] e também boicotaram a Copa de 1950[vi].

As informações que passaram a ser colocadas pelo Jornal dos Sports eram no sentido de apontar para os possíveis clubes que fariam parte da Copa Rio de acordo com a classificação do campeonato. O primeiro contratempo da competição a ser realizada em junho de 1951 surgiu quando um dirigente do líder do campeonato francês daquele ano, o Racing de Paris, criticava o não convite para um clube francês participar do campeonato[vii].

A França não havia participado da Copa de 1950 e a reportagem sugeria que o esquecimento do convite era resultado dessa não participação. Ademais, um ponto a se questionar a respeito deste não convite é que o presidente da FIFA, Jules Rimet, era francês. Por que ele não teria questionado essa condição?

O interesse de participação do campeão francês estava presente nas reportagens. Tanto é que em março de 1951 era noticiado que se o Nice fosse o campeão que se candidataria para disputar o torneio no Rio de Janeiro[viii].

Da Itália chegavam notícias de que havia um clube interessado em vir ao Brasil e outros dois tinham dúvidas. Associado aos argumentos de que seria o primeiro campeonato mundial de clubes campeões havia a ressalva que os clubes europeus viriam em suas férias para disputar este campeonato. A passagem abaixo é grande, mas ela explica muito sobre o futebol italiano e o ano de 1951.

“É conhecido que foi escolhido o período de 30 de junho a 22 de julho para a futura primeira Copa Rio (Torneio Mundial de Clubes Campeões) porque se trata do momento do ano em que ninguém joga football na Europa ocidental. Livres assim de qualquer empenho oficial, seria mais fácil assegurar a vindo ao Brasil dos quadros de clubes campeões do Velho Mundo. Não convém esquecer, contudo, que a tradição é, na Europa inteira, imitando os britânicos, que os jogadores de football têm direito, e aliás devem, descansar durante aquele período de verão. Um footballer que joga doze meses sem parar nunca, acaba exausto fisicamente e moralmente, farto da bola, nervos e músculos em estado péssimo. Tal é a teoria unanimemente admitida do outro lado do Atlântico. Eis por que muitos jogadores e muitos clubes, apesar do desejo indiscutível de todos em conhecer as belezas da cidade maravilhosa, hesitam em sacrificar suas ‘férias pagas’ no fim de uma temporada de campeonato muito cansativo, para tornar a jogar um torneio tão difícil quanto será indiscutivelmente o do Rio. Não é trair um segredo de Estado, dizer por exemplo, que na Itália, o Juventus de Turim e o Internazionale de Milão, ambos candidatos sérios ao título nacional (de que o Juventus é o atual detentor), não demonstram grande entusiasmo com a perspectiva da disputa da Copa Rio. A última rodada do campeonato italiano só será no dia 16 de junho. E são os scratchmen do Juventus e do ‘Inter’ que não quiseram viajar de avião para vir disputar a Taça Jules Rimet de 1950 porque a lembrança da catástrofe de Superga ainda fica viva entre eles”[ix].

Se havia a dúvida entre Juventus e Internazionale, o Milan queria participar da disputa ainda mais porque no momento da notícia acima o clube milanês assumia a liderança do campeonato depois de 26 rodadas (1. Milan 44 pontos; 2. Inter 41 pontos e 3. Juventus 39 pontos) mesmo que ainda faltassem 12 rodadas para o término do campeonato italiano.

O jornalista Thomaz Mazzoni apontava para um problema do calendário. Diferentemente do que foi apresentado até aqui em que a Copa Rio aconteceria no período de férias dos clubes europeus a questão apontada por Mazzoni envolvia elementos de outra ordem, a ordem interna. O calendário apresentado pela Federação Paulista de Futebol desconsiderava a realização do torneio mundial de clubes campeões por não ter sido notificada sobre o evento[x].

Dias depois a CBD confirmava as datas da Copa Rio (30 de junho a 20 de julho) e recebia críticas do Botafogo por este considerar insuficiente os 20 dias de torneio para os 18 jogos previstos e que, provavelmente, teriam que ser programadas mais datas[xi].

O cenário que se colocava em debate era a organização do calendário do futebol brasileiro. Este é um tema que está em pauta há seis décadas e ainda continua sem solução. Naquele momento, o texto do Jornal dos Sports, isentava a CBD de qualquer problema em relação ao calendário. Pelo contrário, pontuava que

“A C.B.D., desde o campeonato do mundo vem repetindo que o ano de cincoenta e um pertence aos clubes. O compromisso da C.B.D. vem sendo mantido religiosamente. Há quem queira enxergar no campeonato mundial de clubes uma quebra do compromisso cebedense. Embora o nome esteja dizendo: trata-se de uma competição de clubes”[xii].

Na sequência deste texto a necessidade de se discutir o calendário era reforçada quando havia o questionamento de que apenas dois clubes brasileiros fariam parte deste campeonato e que isso produziria uma inatividade para os demais. A base do questionamento partia dos clubes brasileiros que não estavam classificados para o campeonato mundial, mas que haviam aceitado a forma como seriam selecionados os clubes brasileiros que participariam do mundial. Além disso, reforçava que “[…] o campeonato mundial de clubes estava programado desde julho de cincoenta”[xiii].

Se o campeonato mundial a ser realizado encontrava críticas por parte dos clubes brasileiros que não participariam a incerteza quanto a sua realização também era produzida pela própria FIFA. Jules Rimet, em uma entrevista, disse que iria proibir a realização do mundial. O Jornal dos Sports criticava tal postura de Rimet principalmente porque a ideia do mundial partira de Mario Filho, proprietário do jornal[xiv]. Até por isso a cobertura do Jornal dos Sports fora maior do que os outros jornais como O Estado de S. Paulo, por exemplo.

Mario Filho trazia os argumentos de que um mundial de clubes era muito importante para o futebol brasileiro e a colocava como mais importante que a Copa do Mundo realizada um ano antes no Brasil. De acordo com Mario Filho:

“Um campeonato mundial de clubes representa, para o país que o promove, uma distinção maior do que uma ‘Copa do Mundo’. Qualquer país pode pretender dar sede para uma ‘Copa do Mundo’. A designação da sede obedece a um critério mais ou menos fixo de rodizio. Já um campeonato mundial de clubes exige certas condições que raros paises podem preencher. Tanto que só se pensou num campeonato mundial de clubes por causa do Estadio Municipal”[xv].

A crítica de Mario Filho recaía principalmente ao presidente do Botafogo, Carlos Martins da Rocha, que acreditava no fracasso da Copa Rio. Seu argumento era da falta de posicionamento de Rocha que não teria participado de uma reunião com Ottorino Barassi e em uma outra reunião realizada no Palácio Guanabara havia apoiado o torneio. Depois disso fez restrições ao torneio. Mario Filho entendia que o posicionamento de Rocha refletia uma condição pessoal, pois

“Estava tudo muito certo desde que o campeonato mundial de clubes não fosse patrocinado pelo JORNAL DOS SPORTS. Em outras palavras: desde que eu estivesse fora. Não havia mais jeito da idéia deixar de ser minha. Eu dera a idéia, trabalhara para torná-la uma realidade e só me interessava isso: que se fizesse o campeonato mundial de clubes no Brasil. Um campeonato que não seria meu, que seria do Brasil”[xvi].

Mario Filho mostrava-se como um grande articulador do futebol brasileiro. Seus pensamentos não ficavam apenas no campo das ideias, ele conseguia concretizá-las. Essa é, em minha opinião, uma das grandes qualidades de Mario Filho. Claro que ele tinha um jornal a seu lado para promover as suas ideias. O que não era pouco, mas isto não tira o seu mérito na articulação de seu pensamento para além do que escrevia.

Ainda em abril o Jornal dos Sports publicou um comunicado do presidente da FIFA. O comunicado tinha duas partes muito bem definidas: uma resposta geral ao desencontro de informações sobre o torneio por parte de Jules Rimet e uma resposta direta para Mario Filho. A primeira parte do comunicado dizia:

“Já sei, diz o presidente da FIFA, que foram publicadas no Brasil certas declarações minhas (!) a respeito da futura Copa Rio de Janeiro, que espantaram a todos. Acho que o JORNAL DOS SPORTS é bem escolhido para publicar um desmentido categórico a estas declarações, inventadas por um jornalista sem escrúpulos, ou resultado de um erro de tradução. Talvez seja isso: acontece que jornalistas estrangeiros, por gentileza e cortesia, fazem questão de me entrevistar em francês. Eu me deixo ir a falar depressa, apaixonado com o assunto, e o jornalista que não entende o francês tão bem quanto o dizia acaba confundindo, nas declarações que me empresta, a forma negativa com a… forma afirmativa! É a única explicação possível daquela confusão a respeito de meu parecer sobre a grande organização da C.B.D. e que lhe peço imediatamente de fazer. Lembro-me perfeitamente que um jornalista de Lisboa me perguntou se a FIFA tinha autorizado o Campeonato Mundial de Clubes, do Rio de Janeiro. Respondi que, tratando-se de uma competição entre quadros de clubes, a FIFA não tinha autorização nenhuma a dar. Bastava que seja oficialmente informada da organização do torneio. Aliás, trata-se de um torneio de importância e relevo mundiais, é claro, porem, não de um campeonato mundial, já que a expressão Campeonato do Mundo de Football é propriedade da FIFA e fica reservada à Taça Jules Rimet que se disputa a cada quatro anos. E é o interesse de todos não diminuir o valor deste título de ‘campeão do mundo’, abusando da expressão. O mesmo jornalista me perguntou também o que achava de tal organização. Respondí que se a C.B.D. e seus distintos dirigentes como o Dr. Mario Pollo à frente, que já deram tantas provas de suas capacidades organizadoras na Taça Jules Rimet de 1950, conseguirem organizar em junho de 1951 outra competição de tamanhas proporções, será um verdadeiro milagre. Os campeões europeus só são conhecidos em maio e às vezes em junho. Há tantas outras dificuldades também a vencer e tantas tradições européias a transtornar que, pessoalmente repito considerar como um milagre, isto é, uma coisa dificilmente realizavel a organização de um certame tão importante em tão poucos dias. Mas com os brasileiros, tudo fica possível!!…”[xvii]

Embora o presidente da FIFA considerasse complicado organizar um campeonato deste porte acreditava que os brasileiros estavam habilitados para tal tarefa. Reforçava o caráter de exclusividade que a FIFA já procurava deter em relação ao nome dos campeonatos a serem disputados. Por isso, não apoiava o uso do termo campeonato mundial.

Na sequência da carta enviada diretamente ao jornalista Mario Filho dizia que seria melhor organizar um campeonato com convites prévios e que a escolha por ter o campeão oficial nem sempre era a melhor. Reforçava seu apoio moral e sua ajuda ao Torneio dos Campeões.

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Jules Rimet foi presidente da FIFA (1921-1954). Foto: Agence de presse Meurisse/Wikipédia.

Após esta manifestação do presidente da FIFA Jules Rimet outra reportagens reforçavam seu posicionamento de esclarecimento sobre o evento a ser realizado. Outras matérias voltavam a acompanhar os clubes campeões que conquistavam os títulos. Por exemplo, da Espanha estava classificado o Atlético de Madrid[xviii], mas logo ficou decidido que o representante espanhol seria o campeão da “Taça Generalíssimo Franco” e neste caso a disputa estaria entre o Bilbao e o Barcelona[xix] apontados como favoritos em suas respectivas semifinais. O Barcelona confirmou o favoritismo ao vencer na final o Real Sociedade[xx]. Da então Iugoslávia o convite era para o Estrela Vermelha e havia a possibilidade de convidar o Austria, de Viena. A dúvida era em relação ao representante inglês. Não sabia se viria o Newcastle, campeão da Taça da Inglaterra ou o Tottenham, campeão da temporada 1950-51[xxi].

A proximidade do início da Copa Rio com o fim dos campeonatos europeus provocava uma série de incertezas e trazia a necessidade de rever algumas definições. Desse modo, o Jornal dos Sports informava que era possível “[…] sustentar a tese que o campeão nacional convidado pode ser o de 1950 quanto o de 1951. É o caso da Áustria, por exemplo, cujo campeão das temporadas 1948-1949 e 1949-1950 (o recente adversário do São Paulo-Bangú e vencedor do Tottenham em Londres) enquanto já não há mais dúvida que o campeão da temporada 1950-1951 será nosso conhecido Rapid”[xxii].

As incertezas que pairavam quanto a realização efetiva da Copa Rio começavam a se dissipar quando a CBD convocou uma reunião para estruturar comissões auxiliares para o torneio mundial, tal como havia feito para a Copa do Mundo de 1950[xxiii].

Interessante pensar que houve grande empenho de Ottorino Barassi em contactar os campeões europeus para disputar a Copa Rio. Do presidente da FIFA houve o apoio moral, mas não um apoio no sentido de fazer acontecer o campeonato. A pergunta que fica no ar é a respeito dos interesses de Barassi na realização deste torneio.

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Ottorino Barassi participou da organização do Mundial.

Uma matéria não assinada no Jornal dos Sports voltava ao ponto do calendário como uma questão a ser resolvida. Ressaltava que “[…] os complexos de superioridade são tão funestos e tão negativos como os complexos de inferioridade”. Esta forte frase aparecia para mostrar como a euforia pela realização do torneio mundial de clubes campeões poderia se transformar em agonia pela não confirmação dos participantes. E aqui aparecia, novamente, a figura de Barassi.

“No Brasil, admiti-se, sonha-se, projeta-se uma ‘Copa Rio’, à semelhança de uma ‘Copa do Mundo’ inter-clubes, e a reação mais forte nasce em casa. Alguns teimosos reacionarios insistem em combatê-la. Impressionante é isso: enquanto os ingleses dispõem de coragem e organização para garantir a concretização de 29 matches numa segunda-feira, os extraordinarios talentos dirigentes do Brasil não se consideram capazes de reunir no Rio e em São Paulo, uma duzia de equipes. Ou, quando admitem sem a mesma convicção de que chegarão ao que desejam, entregam tudo ao engenheiro Barassi, transferindo todas as responsabilidades ao presidente da Federação Italiana – inclusive a responsabilidade de convencer a Sir Rous e Mr. Drewrey de que os ingleses podem vir que o Governo garante as divisas… Já se sabe, extra-oficialmente, que não teremos nem ingleses nem escoceses na ‘Copa Rio’. E a culpa não cabe logicamente a Mario Filho, que idealizou o Torneio, nem a JORNAL DOS SPORTS, e nem à crônica esportiva que se vem batendo tão intensamente para que alcancemos o que se almeja. Se porventura a ‘Copa Rio’ não chegar a ser o que se espera, ao que pode e deve, com os recursos de que dispomos e com o interesse que a ‘Copa’ logo despertou no público – se não atingir os pontos desejados – é porque uma vez mais os nossos paredros fracassaram. Eles, ninguém mais, terão de assumir a responsabilidade pelo fracasso que parece rondar uma das mais promissoras iniciativas já formuladas, pelos que, sem os compromissos devidos, lograram transferir para a entidade que tem o dever de não apenas emprestar sua total solidariedade ao movimento, senão cria-lo”[xxiv].

A crítica apresentada poupava apenas Mario Filho de qualquer falha na condução do processo. Aos demais envolvidos era carregada toda a culpa das incertezas da realização da competição a menos de um mês de seu início. Antes de responder a pergunta do título deste texto é preciso ter claro que o período percorrido até aqui, nesta primeira parte do texto, fora marcado por disputas e questionamentos da realização do campeonato.

No próximo texto abordarei os meses de junho e julho de 1951 período que compreende a disputa da Copa Rio.

Referências

EGCENBERGER, Henri. Eighty years of FIFA. Laborious way to World Championship. Olympic Review, n. 225, julho de 1986, p. 410-413.

[i] Das pirâmides do Egito ao colosso do Maracanã, com o sr. Jules Rimet. Jornal dos Sports, 4 de janeiro de 1951, p. 5 e 7.

[ii] Tresentos dias de football em 1951. Jornal dos Sports, 8 de fevereiro de 1951, p. 5.

[iii] Laurence, Albert. “K. O.” da “Taça” os dois mais famosos clubes britânicos: Arsenal de Londres e Rangers de Glasglow. Jornal dos Sports, 13 de fevereiro de 1951, p. 8.

[iv] Importante reunião na C.B.D. Jornal dos Sports, 24 de fevereiro de 1951, p. 6.

[v] http://www.espn.com.br/noticia/412857_desistencia-argentina-na-copa-de-1950-causou-decadas-de-ressaca

[vi] http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/06/1466883-veja-fatos-da-copa-de-1950-relatados-pela-imprensa-do-pais-e-do-exterior.shtml

[vii] O “Racing”de París esperava poder disputar a próxima “Copa Rio”. Jornal dos Sports, 24 de fevereiro de 1951, p. 5.

[viii] Laurence, Albert. Sete empates. Jornal dos Sports, 13 de março de 1951, p. 11.

[ix] Laurence, Albert. Grande vitória do ‘Milan’. O clube italiano ‘que quer vir ao Rio’. Jornal dos Sports, 6 de março de 1951, p. 5.

[x] Mazzoni, Thomaz. Organizado o calendario do football paulista sem datas para o torneio dos campeões. Jornal dos Sports, 7 de março de 1951, p. 6.

[xi] Torneio municipal a 8 de abril. Jornal dos Sports, 20 de março de 1951, p. 8.

[xii] O Campeonato Mundial de Clubes, a Taça Latina, o calendário e outras coisas. Jornal dos Sports, 22 de março de 1951, p. 5.

[xiii] O Campeonato Mundial de Clubes, a Taça Latina, o calendário e outras coisas. Jornal dos Sports, 22 de março de 1951, p. 8. Um outro texto de Mario Filho também tratava sobre esta questão. Ver: Já que se pergunta “e os outros?” Vamos para a Taça Brasil. Jornal dos Sports, 13 de abril de 1951, p. 5.

[xiv] Laurence, Albert. Campeões de oito grandes capitais no Torneio Mundial de Campeões, Jornal dos Sports, 11 de abril de 1951, p. 5.

[xv] Mario Filho. O campeonato mundial de clubes é do Brasil. Jornal dos Sports, 12 de abril de 1951, p. 5.

[xvi] Idem.

[xvii] “Aprovo a idéia e faço votos sinceros para o triunfo da primeira Copa Rio”. Jornal dos Sports, 19 de abril de 1951, p. 5.

[xviii] Laurence, Albert. Virá ao Rio em junho o Atlético de Madrí, bi-campeão da Espanha. Jornal dos Sports, 24 de abril de 1951, p. 5.

[xix] Certa a vinda da Espanha. Jornal dos Sports, 12 de maio de 1951, p. 6.

[xx] O Barcelona campeão da Espanha. Jornal dos Sports, 29 de maio de 1951, p. 7.

[xxi] Da visita do Corinthians em 1910 à do Arsenal em 1949. Jornal dos Sports, 12 de maio de 1951, p. 5.

[xxii] A propósito da “Copa Rio” Torneio Mundial de Campeões cujo triunfo já está assegurado… Jornal dos Sports, 12 de maio de 1951, p. 5.

[xxiii] Convites oficiais. Jornal dos Sports, 17 de maio de 1951, p. 6. A lista dos convidados para compor as comissões pode ser consultada em Para a grande reunião do dia 23 Jornal dos Sports, 18 de maio de 1951, p. 8.

[xxiv] Os complexos de superioridade são tão funestos quanto os negativos. Jornal dos Sports, 27 de maio de 1951, p. 11.

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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. O Palmeiras tem mundial? (parte 1). Ludopédio, São Paulo, v. 104, n. 19, 2018.
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