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Era uma vez… um clube grande (II): G2, top 5, 12 grandes… e o Athletico

É bem verdade que dissemos em nosso texto de apresentação que não temos a pretensão de arrolar aqui os clubes que são grandes e os que são pequenos. Especialmente porque reconhecemos que “paixão não se mede”. Ainda assim, não conseguimos nos conter e, para dar o pontapé inicial à nossa série “Era uma vez… um clube grande”, recuperamos um prazeroso e polêmico texto de Julio Gomes sobre os “12 grandes” do futebol brasileiro e o Athletico, ainda hoje conhecido como Atlético Paranaense.

Aparentemente motivado pela conquista athleticana na Copa Sul-Americana na noite anterior à publicação de seu texto, o blogueiro do UOL realizou um verdadeiro tira-teima dos parâmetros comumente usados para definir quem são os “grandes” do nosso futebol, especialmente para se perguntar do porquê da ausência daquele novo campeão continental neste restrito grupo. Antes de qualquer coisa, vale dizer que, de maneira muito acertada, Julio Gomes abre seu texto reconhecendo o quanto os debates para se definir a “grandeza” de um clube são eternos e, muitas das vezes, estão longe de produzir algum consenso. Ainda assim, ele nos diz que, na maior parte das vezes, essas acaloradas discussões giram em torno de um conjunto limitado de aspectos. E que, geralmente, as cartas usadas nesse jogo são as performances, pregressas e presentes, dos times de futebol nas competições disputadas – e, evidentemente, a relevância dessas competições para o mundo do futebol –, e o tamanho das torcidas dos clubes.

Sem suspense, vamos logo antecipar o veredito do nosso interlocutor. De acordo com ele, o recém conquistado título da Sul-Americana não haveria de mudar “o patamar do Atlético” porque isso já teria acontecido. Continuando seu raciocínio, o “conjunto da obra dos últimos 20 anos, sim, é que já mudou o patamar do Atlético, com a construção da Arena e depois da atual, com o CT do Caju, com título brasileiro” de 2001 na última edição disputada em formato mata-mata, com o vice-campeonato da Libertadores de 2005 contra o poderoso São Paulo, tricampeão Brasileiro entre 2006 e 2008, com as “presenças constantes na Libertadores”… “O título da Sul-Americana”, concluiu o articulista, ou da Copa do Brasil na última temporada, batendo rivais como o Flamengo nas quartas de final, o Grêmio nas semi, e o Inter na final em pleno Beira-Rio, acrescentaríamos nós, seria apenas “um grão de areia a mais.”

Jogadores do Athletico Paranaense comemoram o título de campeão da Copa do Brasil 2019 no estádio Beira Rio, em Porto Alegre-RS. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

No entanto, se pretendemos ser justos com o blogueiro do UOL, devemos registrar que, para Julio Gomes, todo esse positivo e recente retrospecto athleticano não o permite, necessariamente, “dar o salto para competir de fato com o grupinho dos [12] mais poderosos” do futebol brasileiro, se referindo aos quatro cariocas, Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo, aos quatro paulistas, Corinthians, Santos, São Paulo e Palmeiras, aos mineiros Cruzeiro e Atlético, e aos gaúchos Inter e Grêmio. Mas o que esses 12 clubes teriam de tão especial assim? A resposta, segundo ele: apelo público nacional, histórias de glória com a Seleção tricampeã do Mundo entre os anos 1950 e 1970, além, é claro, de muitas conquistas, mesmo que em um passado longínquo. E parte disso, afirma ele, o Athletico muito provavelmente jamais alcançará. 

Na última pesquisa Datafolha, por exemplo, divulgada em 2019, os athleticanos não figuravam entre as vinte maiores torcidas do país e nem entre as dez maiores da região Sul. Aliás, nem na capital paranaense, o clube é unanimidade. De acordo com um levantamento realizado pela “Paraná Pesquisas”, encomendado pela Gazeta do Povo, a porcentagem de torcedores do Club Athletico Paranaense e de pessoas que não simpatizam com os clubes do estado é praticamente a mesma, 31,2% e 31,1% respectivamente, além de não possuir uma ampla vantagem sobre o rival Coritiba, com cerca de 26,7% de adeptos. Embora no estado uma pesquisa de 2014, da revista Lance! em parceria com o Ibope, indique que o clube possui ampla vantagem frente aos seus principais rivais, Coritiba e Paraná, que não chegam a ter nem 1% de adeptos, contra cerca de 20% do Furacão, são mesmo os paulistas os preferidos na região. Só pra se ter uma ideia, apenas o Corinthians soma mais de 14,4% e adeptos de São Paulo, Palmeiras e Santos, chegam a 27%.

Além do mais, o futebol deste novo milênio está longe de se assemelhar àquele dos dourados anos de 1950, 1960 e 1970. A Seleção canarinho, por exemplo, “não tem a mesma importância de outrora e tampouco será dominante no futebol mundial”, comenta Julio Gomes. E as grandes marcas do futebol internacional cada vez mais tempranamente levando as joias ainda brutas dos nossos clubes. De modo que os convocados, invariavelmente, são os craques brasileiros que nenhum de nós conhecemos.

Flamengo e Palmeiras no Allianz Parque, São Paulo-SP, 1 dez. 2019. Campeonato Brasileiro Série A. Foto: Alexandre Vidal/CRF.

Mas justamente por vivermos um novo momento, nosso blogueiro sustenta o argumento de que esse “G12 histórico é cada vez mais apenas história.” Segundo ele, vivemos, hoje, um G2, formado por Flamengo ou Palmeiras. Ou, forçando muito a barra, um “G4 ou talvez G7, G8.” Ou ainda um “top 5”, do qual o Athletico, sem dúvida alguma, seria um dos integrantes. Isso porque são estes os poucos clubes que se planejam político-administrativamente e conseguem ter um forte apelo comercial. Trocando miúdos, é como se ele nos dissesse que “grande” hoje é quem tem grana, que consegue contratar medalhões, fazer grandes campanhas de marketing, produzir grandes espetáculos midiáticos…

Evidentemente que não pretendemos aqui refutar os argumentos do nosso estimado interlocutor. Tampouco seremos levianos a ponto de negarmos que o mundo, e o próprio futebol, mudaram sensivelmente nos últimos 20 ou 30 anos. Ainda assim, como historiadores que somos, confessamos nossa má vontade em aceitar esse tipo de análise, muito calculista, pragmática. Assim, ao contrário do que afirmou Julio Gomes, acreditamos que, justamente por ser “histórico” e “cada vez mais apenas história” é que esse grupo de uma dúzia – ou um pouco mais do que isso – de grandes clubes permanecesse sendo visto como o grupo dos grandes, ou dos gigantes. Em outras palavras, a grandeza, além de títulos, de torcidas numerosas, é história, é tradição. E, no nosso próximo texto, começaremos, então, a fazer uma digressão a essa história.

Quanto ao Athletico, deixamos pra você avaliar se ele é ou não um dos “grandes” do nosso futebol. De nossa parte, nos limitamos a fazer uma sugestão. Que tal perguntar sobre isso nas ruas da capital paranaense em um dia de “Atletiba”…?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcus Lage

Bacharel, Licenciado e Doutor em História. Mestre em Ciências Sociais. Pós Doutor em Estudos Literários. Professor do Instituto de Educação Continuada da Puc Minas. Torcedor-militante do América! Se aventurando pelo mundo da crônica!

Letícia Marcolan

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas. Participa do FULIA/UFMG e do Memória FC.

Como citar

LAGE, Marcus Vinícius Costa; MARCOLAN, Letícia. Era uma vez… um clube grande (II): G2, top 5, 12 grandes… e o Athletico. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 33, 2020.
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