43.7

Ajeitar os corpos nas periferias: uma revolução!

Marcos Marques dos Santos Júnior 23 de janeiro de 2013

Todos correndo sozinhos. Garis na cidade de São Paulo correm para coletar o lixo e correm em direção ao caminhão com a intenção de não ficarem para trás; Laterais direitos correm de cabeça baixa em direção à linha de fundo; Médicos correm para mais um plantão; o melhor Volante de algum time brasileiro que sabe jogar no ataque tem seu talento desperdiçado para correr desesperado marcando no meio de campo, corre para um lado apoiando o lateral direito que perdeu a bola ao avançar de cabeça baixa e corre para o outro lado desesperado para cobrir a posição do lateral esquerdo que perdeu a bola no meio de campo, pois, tem deficiência técnica no passe porque é mais forte fisicamente e só sabe marcar; Professores mal pagos do ensino público correm para preparar mais uma aula enquanto Deputados e Políticos de Brasília correm do trabalho; Professores Doutores de Universidades públicas correm para produzir. Todos correndo para frente. Todos corremos para alguma coisa. Sim? Mas você corre intencionalmente mesmo? É por que você realmente quer? Você corre de olhos arregalados, tronco rígido, pescoço duro sem olhar para o lado em hipótese alguma para àquilo que você realmente quer? O que você quer de verdade? Você leitor, vire seu corpo. Por favor! O que tem ao seu lado direito agora? O que tem ao seu lado esquerdo? Você vive de costas para os outros? Cuidado!

Na movimentação de meio campo do Barcelona Xavi e Iniesta não correm muito, e só ficam de frente para o gol quando o time realmente está organizado e pronto para atacar, antes disso eles viram o corpo ajeitando-o de frente para os seus companheiros fazendo o que alguns chamam na linguagem do Futebol de “parede”, por exemplo, quando chutamos a bola na parede geralmente ela volta para a gente, não é? Aquela velha tabelinha que você faz no muro de sua casa quando está sozinho com a bola, você-parede-você, pois é, quando esses jogadores percebem que seu companheiro não está conseguindo criar no meio de campo, eles se deslocam de onde quer que estejam por trás dos marcadores e ficam de frente para seus colegas fazendo uma “parede”, assim a bola vai saindo do lugar e o jogo se desenrola, toca-se na “parede-Iniesta” e recebe-se de volta, adianto um pouco mais, faço o passe na “parede- Xavi” e recebo de volta. No FC Barcelona todos sabem fazer essa parede, pois a movimentação do time é constante e os jogadores dificilmente ficam “guardando caixão”, guardando posição.

Xavi realiza passe contra o Milan pela Copa dos Campeões de 2012. Foto: Marc Puig Perez – Flickr.

Na final do Mundial de Clubes em que o Sport Club Corinthians Paulista foi o grande campeão, esse estilo de jogar ficou mais evidente no peruano Paolo Guerrero que jogou no ataque de costas para o gol, na única oportunidade que o jogador teve com o corpo de frente para a meta ele aproveitou e “meteu a caixa no time inglês”, fez o gol! Esse jogador que joga de costas para o gol e que joga de costas para a sua grande intenção no Futebol que é o gol tem uma intenção mais nobre ainda que é a de ir ajeitando o jogo para o coletivo, ajeitando o corpo em direção a quem necessita mais dele naquele instante, de fazer que o jogo flua, são pessoas que saem dos bastidores do jogo para assumir a responsabilidade e se doar de corpo inteiro ao time, e a essas grandes figuras se dá também o nome de Pivô.

[…] é verdade pela mesma razão que meu corpo é o pivô do mundo: sei que os objetos têm várias faces porque eu poderia fazer a volta em torno deles, e neste sentido tenho consciência do mundo por meio de meu corpo (Merleau-Ponty, 2006, p. 122).

Já em São Paulo por volta das três, quatro, quatro e meia, cinco horas da manhã, a maioria dos trabalhadores das quatro PERIFERIAS saem de casa a pé aproveitando um dos raros momentos de se movimentar sem se sentir “enlatado” nos transportes ferrosos públicos da capital e com a intenção de chegar aos seus trabalhos sobem nos ônibus ou nas lotações (que o nome já diz tudo). No trajeto até as estações da CPTM ou do Metrô a essa altura muitos já estão com seus fones de ouvido, curtindo suas músicas favoritas ou um programa de rádio qualquer, se distraindo um pouco de toda essa correria logo cedo e também contribuindo mais para a falta de comunicação oral entre as pessoas. Enfim, entram na fila para recarregar seus bilhetes únicos, passam as catracas e chegando às plataformas entram em nova fila para embarque e numa confusão tremenda depois do quarto ou quinto trem conseguem embarcar na maioria das vezes empurrados. Depois da dura chegada ao Centro, na estação Brás ou na estação Sé do Metrô, por exemplo, um dia eu observava aquele monte de escadas rolantes repletas de gente em direção a vários destinos, confesso que por diversas vezes tive a sensação de estar numa esteira de linha de produção, sinistro. Enfim, todos de costas um para o outro.

Com todo esse martírio corporal iniciado ao sair de casa a pé passando por toda a limitação de movimento e comunicação corporal nos transportes lotados até a dispersão nos Centros financeiros de toda a Grande São Paulo, os trabalhadores vindos da PERIFERIA além de chegarem exaustos aos seus postos de trabalho também passaram por uma enorme privação que é a da manifestação de suas corporeidades, com isso, pode-se dizer que todo o povo guerreiro da PERIFERIA de São Paulo (ZL, ZS, ZN, ZO) sofre também de outro mal além da falta de saneamento básico, investimentos em educação, mortalidade infantil, falta de acesso à cultura em seus bairros, desemprego, criminalidade, etc.

A PERIFERIA de São Paulo sofre com a escassez da comunicação corporal, sofre às vezes até sem saber que existe essa comunicação que se dá através dos gestos, que foi meu caso até um tempo atrás, confesso. Sofre com a falta de tempo para aguçar essa comunicação corporal com seus coirmãos da PERIFERIA, tendo como raras oportunidades para exercê-la nos encontros nas lotações, trens, metrôs e ônibus lotados. Nos finais de semana sofrem com a falta de tempo, pois aproveitam o sábado e domingo para fazer serviços domésticos e sofrem também com a falta de espaços públicos (praças ou parques) dignos com infraestrutura, para enfim, depois de uma semana estafante de viagens e trabalho conseguirem se movimentar harmoniosamente num espaço digno para isso.

Campo de futebol localizado na periferia de São Paulo. Foto: Enrico Spaggiari.

Porém, atualmente o movimento mais amor por favor tenta ajudar a espalhar amor “em meio à toda agressividade, indiferença e velocidade de uma metrópole como São Paulo” e saraus poéticos se auto-organizam nas periferias da cidade mostrando espaços de livre expressão para variadas linguagens como Grafite, Poesia, Danças e Música num início de movimento para inteligência coletiva, menciono alguns deles: Sarau Literarua, Sarau Vila Fundão, Sarau do Binho( que algum tempo atrás foi fechado pela prefeitura) vejamos mais sobre o assunto aqui, Sarau dos Mesquiteiros, Sarau da Ademar, Sarau da Brasa e tantos outros que estão presentes também virtualmente na rede social mais famosa do momento, é só digitar lá a palavra Sarau que aparecerão diversos.

ser uma consciência, ou antes, ser uma experiência, é comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles (Merleau-Ponty, 2006, p. 142).

Esperar pelos Centros hoje em São Paulo não adianta nada, os Centros estão caducos, sucateados e são conservadores iguais à classe média paulistana como disse Marilena Chauí, vejamos todos juntos o vídeo (ver ao final do texto):

Revolução, a força das quatro periferias.

Revolução iniciada de um Centro começa com o núcleo já morto!
Revolução desse jeito não toma corpo!
Revolução desse jeito não se expande!
Revolução desse jeito é ignorante!
Já começa capenga, estúpida e despolitizada!
Revolução boa mesmo vai de fora para dentro,
revolução é abrir e fechar, se abrindo a partir das periferias e se contraindo até o Centro!

Em 2010, após sofrer um dos cincos gols do Barcelona, o Real Madrid se prepara para reiniciar a partida no centro de campo. Foto: Márcio Pereira Morato.

REVOLUÇÃO de fora para dentro até as leis da Física ajudam, quanto maior a força maior é a velocidade, vem com as forças e os desesperos do povão das quatro periferias, vem que vem, com cada um pegando na mão de quem quer vir, cada um virando ou ajeitando seu corpo em direção ao seu companheiro, escutando suas angústias, ouvindo seus clamores, vem vindo, num momento em que cada pessoa já está de frente para todo o mundo numa grande roda que sai das PERIFERIAS e vai se fechando, se contraindo, se aproximando e arrastando tudo até todos os Centros de poder de São Paulo.

Não façamos dos espaços inúteis!
Todo espaço é de expressão!
Não nos façamos inúteis nos espaços!
Façamos de nós-espaços coisas úteis!

REVOLUÇÃO de fora para dentro até as leis da Física ajudam, quem diria que até o Barcelona faz desse jeito? FUTEBOL de PERIFERIA dos campos, das EXTREMIDADES, futebol que começa do improvável, de concentração, numa grande roda que dos lados do campo sai e vem de pé em pé, todo mundo junto se contraindo e encurralando o adversário, até chegar aos CENTROS, os gols.

Vejamos todos juntos (ao final do texto) outro vídeo rápido para percebermos que o Barcelona não precisa correr tanto em campo para tomar conta do espaço de jogo e que basta movimentar, ajeitar o corpo em direção ao companheiro fazendo a “parede” ou o Pivô para ele:

Agora, essa mesma roda que no vídeo está parada imaginemos ela em movimento no campo, saindo dos lados e das PERIFERIAS do campo de futebol, controlando a maior parte da porcentagem de posse da bola, todos próximos e virados um de frente para o outro confundindo e arrastando toda a marcação do adversário até o núcleo, o gol. O Barcelona faz isso durante seus jogos e as PERIFERIAS de São Paulo deveriam fazer pressão (pressing na linguagem do Futebol como o Barcelona faz com seus adversários) e tomar essa bola dos Centros, ficar um pouco mais com ela para ver o que pode acontecer de diferente. O que pode acontecer de diferente? Nossa vida pode ser vista como um jogo de futebol constante, de aproximação dos corpos para desenvolver a inteligência coletiva e todos nós somos Pivô nesse jogo. Podemos correr de cabeça baixa em direção aos nossos objetivos de vida sem observar um companheiro que precisa da gente logo ali ao nosso lado, podemos estar num local apertado dividindo espaço com um amigo ou várias pessoas numa fila ou sem tempo para interagir ou se comunicar com alguém, mas basta um clique na percepção para mudar tudo, um simples e genial ato de virar o corpo, de se movimentar, de ajeitarmos nossos corpos em direção ao outro para que a comunicação volte a fluir e a interferência vá embora.

Referências

CHAUÍ, Marilena. Debate sobre a classe média. Acesso em 19/01/2013

OLIVEIRA, Josiana Hadlich de. O ser-nomundo e seu agir: corporeidade e pessoalidade em Merleau-Ponty e Ricoeur. Princípios, v. 19, n. 31, Natal-RN, p. 99-118, 2012.

FC Barcelona Amazing tiki-taka skills in training. Acesso em 18/01/2013

FRANCISCO NETO, José. Kassab fecha o cerco sobre saraus da periferia. Entrevista ao site Brasil de Fato. acesso em 19/01/2013

Site: mais amor por favor. acesso em 19/01/2013

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Marcos Marques dos Santos Júnior

Paraibano de Campina Grande-PB. Professor de Educação Física no ensino público de São Bernardo do Campo-SP: na prefeitura atuando do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e no estado lecionando no ensino médio.

Como citar

SANTOS JúNIOR, Marcos Marques dos. Ajeitar os corpos nas periferias: uma revolução!. Ludopédio, São Paulo, v. 43, n. 7, 2013.
Leia também:
  • 178.28

    Projetos sociais e práticas culturais no circuito varzeano

    Alberto Luiz dos Santos, Enrico Spaggiari, Aira F. Bonfim
  • 178.27

    Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?

    Elias Cósta de Oliveira
  • 178.13

    História e contemporaneidade dos festivais na várzea paulistana

    Alberto Luiz dos Santos, Aira F. Bonfim, Enrico Spaggiari