140.41

Afinal, quem são os Libertadores da América?

Que História! 19 de fevereiro de 2021

Você já viu vários textos falando sobre “a” Libertadores da América, mas provavelmente quando o assunto é falar sobre “os” Libertadores da América, a fartura não é tão grande. Talvez essa abordagem seja nova pra você, mas tenha em mente que ela é importantíssima para compreender a importância do nome dessa competição.

Vamos sair do campo gramado e entrar no campo da história, para falar sobre personagens que tiveram papel destacado na construção histórica da América do Sul. Mas antes de fazê-lo, é importante situar o contexto da escolha do nome dessa competição. E deixar claro: se hoje a Copa Libertadores da América é a maior competição de clubes das Américas, lá no começo, não se tinha tanta certeza do seu sucesso.

Como criaram a Libertadores

A Libertadores começou em 1958, num congresso da Conmebol realizado no Rio de Janeiro. Naquela reunião ficou definido que seria realizada uma competição continental com os campeões nacionais da América do Sul, naquele que ficou marcado como o último ato da gestão do brasileiro José Ramos de Freitas. Como a UEFA manifestou seu interesse de realizar um tira-teima entre o campeão europeu e o da América do Sul, a ideia de criar um torneio para definir esse campeão vinha ganhando força. O curioso é que, naquela época, os uruguaios foram contrários à competição, por acharem que ela esvaziaria a Copa América, que ainda se chamava Sul-Americano de Seleções. Na votação final, realizada em Caracas, um ano depois, foram oito votos favoráveis ao novo torneio, a abstenção da Venezuela e o voto contrário dos uruguaios.

As referências para a competição eram o Sul-Americano de clubes de 1948, conquistado pelo Vasco, e a Copa dos Campeões disputada na Europa, que já acontecia desde 1955. Inclusive, depois de criada, a contenda “sudaca” foi disputada com o nome extremamente criativo de “Copa dos Campeões da América”.

Equipe do Peñarol que conquistou a primeira edição da Libertadores. Foto: Acervo da Conmebol
Equipe do Peñarol que conquistou a primeira edição da Libertadores. Foto: Acervo da Conmebol

Pra ser mais preciso, com esse nome foram disputadas as cinco primeiras edições da competição, sendo que, apenas em 1965, o torneio teve seu nome alterado para Copa Libertadores da América. O motivo tinha a ver com identidade regional.

Libertadores: um nome nosso

Chama atenção o fato da competição ter sido rebatizada com um nome ligado a um ideal. Não era genérico, não se referia uma instituição ou coisa do tipo. Ele homenageava um conjunto de líderes que comandaram ou tiveram participação destacada nos processos de independência dos países da América do Sul. Eram líderes diferentes, mas que tinham como características comuns a influência do liberalismo e a busca pela autonomia do território latino-americano.

Apesar dos movimentos de independência dos países da América do Sul envolverem diversas questões, nem sempre uniformes entre os países, o conceito de “libertação” foi pinçado estrategicamente. O objetivo era usar essa identidade de povo latino-americano (apesar de tal conceito não ser compartilhado por todos) para fortalecer a identidade da própria competição. Olhando hoje, essa ideia de pertencimento ao continente que deixou de ser colônia caia muito para bem para uma competição que ia selecionar o adversário do campeão do continente colonizador.

É comumente creditado destaque para José de San Martín e Simón Bolívar como sendo os personagens que inspiraram originalmente a escolha do nome. E não é pra menos. A provável razão é a amplitude dos dois nos movimentos revolucionários da América do Sul.

Escalando os Libertadores

O argentino José de San Martin (1778-1850), de papel destacado como militar no exército espanhol, liderou o movimento de emancipação da Argentina, conquistando sua independência em 1816. Também fez o mesmo em mais duas nações sul-americanas: Chile (1818) e Peru (1821).

Retrato de San Martín. FOTO: Museu Histórico Nacional
Retrato de San Martín. Foto: Museu Histórico Nacional

Simon Bolívar (1783-1830) era venezuelano e possivelmente o maior nome dos movimentos separatistas da América Sul, ao ponto de ser chamado de “O Libertador”. Era um político de origem militar e tornou-se um herói revolucionário exatamente por seu envolvimento no processo de independência da Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia.

Retrato de Simón Bolívar por Arturo Michelena. FOTO: Asamblea Legislativa del Estado Anzoategui
Retrato de Simón Bolívar por Arturo Michelena. FOTO: Asamblea Legislativa del Estado Anzoategui

Apesar do protagonismo dos dois, haviam outros nomes lembrados como inspirações para o nome, como brasileiro Pedro I (1798-1834), o chileno Bernardo O’Higgins (1778-1842), o uruguaio José Artigas (1764-1850) e o venezuelano Antonio José de Sucre (1795-1830). Todos tiveram um papel relevante nos movimentos de independência das nações sul-americanas no século XIX. Como é possível notar ao estudar a história dessas figuras, apesar de não haver um movimento unificado, vários deles tiveram relação com os processos revolucionários em mais de uma nação.

Uma curiosidade, que talvez você tenha notado, é que muitos desses personagens já tinha recebido ou vieram a receber homenagens em clubes. Vários times da América do Sul levam o nome de libertadores, como o Bolívar, o O’Higgins ou o San Martin.

Como não havia uma lista fechada, vários outros personagens foram sendo lembrados com o passar dos anos. Inclusive, mais recentemente, no contexto da internet, circulou pelas redes sociais uma ilustração que simularia uma foto de uma equipe de futebol posando antes de uma partida. Ela é uma reprodução de um quadro do pintor chileno naturalizado equatoriano Roberto Saavedra Walker. Nela perfilavam, além dos já citados, outros nomes relevantes desse contexto independentista, como o paraguaio Fulgencio Yegros (1780-1821), o venezuelano Francisco de Miranda (1750-1816), o peruano Tupac Amaru (1738-1781), o equatoriano Eugenio Espejo (1747-1795), o boliviano Andrés de Santa Cruz (1792-1865) e o colombiano Antonio Nariño (1765-1823). Independiente dos representados, de suas biografias ou ideologias, a imagem mostra que a iconografia dos libertadores é de fato forte e que ela tem um papel importante na relação das pessoas com a competição.

Escalação dos Libertadores da América.
Escalação dos Libertadores da América. Foto: Reprodução de uma pintura de Roberto Saavedra Walker,

O nome Libertadores da América se consolidou, mesmo passando por sutis alterações, tornando uma marca forte (como o mercado exige) mas acima de tudo repleta de simbolismo. Talvez a maior característica dessa competição tão nossa seja esse pertencimento à América do Sul que ela emana. Assim como a competição é peculiarmente do continente, seu nome também o é. Realmente livre.

Uma liberdade que tenta resistir aos que querem fazê-la com cara de outra ou levá-las para Madrid… Coisa de quem não sabe o que significa o nome Libertadores da América.

Esse assunto também apareceu lá no canal, no episódio 12 do Que História! que você pode ver abaixo.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Que História!

O esporte explica a história e a história explica o esporte. O Que História! é um canal dedicado a analisar o contexto histórico por trás de grandes momentos esportivos.

Como citar

HISTóRIA!, Que. Afinal, quem são os Libertadores da América?. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 41, 2021.
Leia também:
  • 177.28

    A camisa 10 na festa da ditadura

    José Paulo Florenzano
  • 177.27

    Futebol como ópio do povo ou ferramenta de oposição política?: O grande dilema da oposição à Ditadura Militar (1964-1985)

    Pedro Luís Macedo Dalcol
  • 177.26

    Política, futebol e seleção brasileira: Uma breve reflexão sobre a influência do futebol dentro da política nacional

    Pedro Luís Macedo Dalcol