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Mauricio Noriega

Equipe Ludopédio 6 de maio de 2017

Mauricio Noriega pode ser considerado hoje um dos melhores comentaristas das transmissões esportivas no Brasil. Filho de Luiz Noriega, um dos mais importantes narradores esportivos brasileiros, Mauricio formou-se em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, de São Paulo, em 1989, e fez mestrado em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais, em parceria com a Universidade de Navarra, de Pamplona, Espanha. Passou por diferentes veículos, entre eles: Folha da Tarde, A Gazeta Esportiva, Diário Popular, Lance!, SportsJá!, Rádio Bandeirantes e atualmente é comentarista do canal por assinatura SporTV, da Rede Globo, participando de diversos programas.

 

Maurício Noriega - Entrevista Ludopédio-2
Maurício Noriega. Foto: Max Rocha.

 

Primeira parte

Noriega, como começou seu interesse pelo futebol e pelo jornalismo esportivo?

Eles começaram juntos. Pelo fato do meu pai, Luiz Noriega, ser jornalista e cobrir essa parte quando eu nasci. Meu pai tinha uma história brilhante no jornalismo, não só esportivo, em questão de rádio e pioneirismo na televisão. Quando eu nasci ele trabalhava especificamente como narrador esportivo. As histórias se juntaram. Desde muito pequeno eu ia com ele às transmissões, não só de futebol, pois meu pai narrava todos os esportes. Ali nasceu meu gosto pelo esporte. Primeiro pelo esporte, depois pelo futebol. Para mim foi um aprendizado grande desde cedo. Com sete ou oito anos de idade eu ia ver Moreno jogar voleibol, Norminha jogar basquete, ver o Pelé, Rivelino, Ademir da Guia. Fazia parte da minha vida, aos finais de semana, acompanhar meu pai aos jogos de futebol.

Seu pai se consagrou na cobertura esportiva. Isso te influenciou já num primeiro momento?

Não, muito depois. Num primeiro momento, quando começo a perceber o que ele fazia, sem entender muito bem, o jornalismo para mim era um inimigo. O jornalismo era a entidade que tirava meu pai de casa. Ele viajava, ficava muito tempo fora. Eu não queria fazer aquilo. A primeira impressão que eu tinha do jornalismo era essa. Eu não quero ter a vida que meu pai tem, não quero ficar 40 ou 50 dias fora de casa, não quero perder os aniversários dos meus filhos. E no final acabei fazendo todas essas coisas (risos). Mas naquele primeiro instante o que meu pai fazia não me seduzia. Pelo contrário, era um repelente.

Mas você nunca considerou seguir especificamente a carreira de locutor?

Não. O cara para ser locutor, narrador de esportes, tem que ser genial. Tem que ter uma percepção diferente das coisas, uma leitura muito rápida da situação. Tem que ter uma voz absurda, que meu pai tinha, e eu não tenho. Meu pai tinha uma voz espetacular, maravilhosa. Até um pouco antes de o meu pai morrer, entrávamos em uma padaria ou um posto de estrada e as pessoas identificavam a voz do meu pai de longe. Sem olhar, o cara falava: “Luiz Noriega, TV Cultura, TV Tupi’. Eu não tenho isso. E acho que é uma habilidade que não se aprende. O locutor pode ser aprimorado, mas não se ensina alguém a ser narrador esportivo. Ele tem quatro ou cinco pessoas falando no ouvido dele, ele tem que se preocupar com uma série de coisas, tem que ter um timing perfeito. Eu percebi que eu não tinha isso. Eu faço às vezes apresentação de programa. Uma coisa que eu gosto de fazer, telejornal ou programa de debate. Mas não tenho habilidade para narrar um jogo.

Você passou por diversos veículos. Como foi seu começo na profissão?

Meu primeiro trabalho como jornalista foi como assessor de imprensa da Federação Paulista de Basquete. Eu fui jogador de voleibol durante muito tempo, joguei no Paulistano, Pinheiros e Banespa. Quando eu vi que não tinha muito futuro, pois não sou um cara alto, e eu era atacante, não tinha habilidade para ser levantador e não tinha líbero na minha época, fui estudar Jornalismo, embora estivesse em dúvida entre Jornalismo, Psicologia e Educação Física. Fiz vestibular para Jornalismo e não fiz para Educação Física. Alguma coisa aconteceu na semana do vestibular para Educação Física e eu optei por não fazer. Não lembro. Fiz a faculdade de Jornalismo e precisava trabalhar. Embora ainda tivesse alguns convites para jogar voleibol nos times adultos, já não tinha mais paciência, era uma coisa que não me atraía mais, pois sabia que não seria competitivo.  Apareceu essa oportunidade na Federação de Basquete, meu pai tinha narrado basquete por muitos anos, conhecia muitas pessoas, e estavam precisando de um assessor de imprensa. Por coincidência, depois um ano meio ou dois anos, meu pai, depois de sair da TV Cultura, ele foi participar de um programa na TV Gazeta, um programa super divertido, Campeões da Bola. Esse programa faz muito sucesso, era no auditório da Fundação Cásper Líbero, dava muita audiência. Tanta audiência que despertou muito ciúme lá dentro e acabaram com o programa. O meu pai comentou com o Chico Lang: “Olha, meu filho está no segundo ano de Jornalismo, quer trabalhar”. Eu fui no Folha da Tarde, o que é hoje o Agora São Paulo, fiz um teste, escrevi algumas coisas, e me chamaram para trabalhar lá. Foi muito importante para entender o que é jornalismo, aprender o dia a dia.  A Folha da Tarde, naquela época, estava imitando o USA Today, tinha até um logotipo muito parecido. Um jornal de textos curtos, rápidos. E ali comecei minha carreira de jornal, Depois tive passagens pelo Diário Popular, Gazeta Esportiva, Lance, Rádio Bandeirantes. Trabalhei com internet, num portal chamado SportsJá!, que era um projeto de americanos aqui no Brasil.

Maurício Noriega - Entrevista Ludopédio-7
Maurício Noriega trabalha nos canais SporTV. Foto: Max Rocha.

Um dos temas que há algum tempo estava sendo debatido é a questão do diploma. Visto que você se interessou em continuar estudando e especializando, qual sua opinião a respeito desse debate?

Sou 1000% favorável ao diploma. Estudar é fundamental. Não só na minha área, mas como em qualquer área. É um desserviço ao jornalismo essa discussão sobre o final da obrigatoriedade do diploma, só joga a profissão para baixo. Eu aprendi muito na faculdade. A faculdade pode ter mil defeitos e imperfeições, mas eu não seria um jornalista como sou hoje se não tivesse feito faculdade, se não tivesse estudado depois, bem como da minha bagagem anterior. Estudei em colégio humanista, estudei em colégio de freira, na época chamado Nossa Senhora da Consolação, depois no Colégio Marista Arquidiocesano. Tudo isso me fez gostar de escrever, ler, estudar. Temos que trabalhar para melhorar as faculdades. Talvez os próprios grupos de comunicação possam ter suas faculdades para formar seus profissionais. Eu vejo isso com muita preocupação.

Você que passou por diferentes tipos de mídia, como vê o lugar do jornal impresso e o jornalismo de texto de modo geral? Hoje existe uma tendência de consumo de conteúdo jornalístico mais em formato de vídeo.

Acho que o texto nunca vai morrer. Minha formação é do veículo impresso, mais do jornal, embora tenha feito um pouco de revista. Na Folha da Tarde aprendi a ser jornalista. Você sai da faculdade achando que seu texto está pronto, que você é escritor. Todo jornalista tem essa fantasia de ser escritor. No jornal você aprende a escrever direito, aprendi o texto jornalístico. Sou muito grato ao Folha da Tarde. É curioso, pois nunca fui muito fã do estilo da Folha. Quando comecei a trabalhar na Folha, primeiro na área Geral e depois na área Internacional, fui trabalhar no Esporte muito por causa do Fábio Sormani, que hoje está no Fox Sports. Eu estava em um plantão no final de semana, a coisa estava pegando no Esporte, faltava gente, e o Sormani falou para o José Roberto Malia, que escrevia para a ESPN e era um editor espetacular: “Tem aí o Maurício Noriega, filho do Luiz Noriega, entende de futebol, pega ele para ajudar…”. Comecei a fazer aos finais de semana, e fui gostando. Fiquei dois anos e pouco na Folha da Tarde. Quando apareceu uma oportunidade, fui para o Diário Popular. A Folha da Tarde era tipo o “time B” da Folha. O jargão interno era “subir” para a Folha de S. Paulo, que ficava em um andar acima. Se você fosse para a Folha de S. Paulo você subia na vida, literalmente (risos). Tive a oportunidade, mas eu não quis “subir”, pois não gostava muito do estilo da Folha de S. Paulo. Eu nunca gostei do texto da Folha e da cobertura esportiva que eles faziam. Na faculdade eu lia o Jornal do Brasil. Tinha uma banca enorme em frente à Cásper Líbero com jornais de todos os cantos, e antes de entrar na aula eu comprava o Jornal do Brasil. Em casa tinha tudo o que era jornal, meu pai lia de tudo. Eu gostava do estilo do Jornal da Tarde e do Jornal do Brasil. A Folha da Tarde tinha um estilo mais leve, mais brincalhão, e eu achava mais saboroso. Nunca tive tesão de trabalhar na Folha. E era uma coisa um tanto opressora na época, pois ela tinha total domínio sobre a Folha da Tarde. Se a gente tinha algum “furo”, tinha que esconder da Folha. O sistema de informática fazia com que o pessoal da Folha tivesse acesso a tudo o que escrevíamos na Folha da Tarde. Era muito curioso que quando tínhamos uma matéria exclusiva, o Malia dizia para escrever em uma máquina de escrever que ficava jogada num canto, dar para um digitador, depois imprimir e assim esconder da Folha. E recebi o convite para o Diário Popular, um jornal pequeno, que vendia 20 mil exemplares, um jornal de classificados, que os próprios jornalistas olhavam torno, mas o convite foi muito legal. O jornalista Nelson Nunes, muito importante na minha formação, um dos grandes jornalistas esportivos do Brasil, trabalhava na Folha da Tarde e no Diário Popular. Falou para mim que o Diário Popular estava querendo investir, estava montando uma boa equipe, tinha um projeto forte, e eu acabei aceitando. Foi muito engraçado, encontrava as pessoas nas coberturas, e elas falavam: “O que você está fazendo no Diário? Aquela porcaria, o jornal está morrendo”. Seis meses ou um ano depois, no Diário a gente estava ganhando mais do que o pessoal do Estadão ganhava. Eles fizeram uma remontagem da equipe, e ali foi o momento em que me senti de fato um jornalista esportivo. O Diário era sobre-humano em termos de trabalho. Naquela época nenhum jornal cobria treinos de sábado. Os jornais eram gelados na cobertura esportiva. Não esperavam os resultados de jogos de quarta-feira, que só apareciam no jornal de sexta-feira. Rapidamente o jornal que vendia 20 mil chegou a 150 mil e chegou a vender 200 mil. Foi uma época muito gostosa, mas muito sacrificante em termos humanos, pois para folgar um final de semana precisávamos trabalhar cinco finais de semana. Tudo o que se desenrola nesse nível de exigência e entrega acaba durando pouco, pois começam os conflitos, e o jornal era muito combativo e crítico. Fiquei no jornal entre 1991 e 1995. Criticávamos muito o Farah e a Federação Paulista de Futebol, que nos mandavam garrafas de vinho no final do ano, e nós mandávamos de volta. O Farah ligava lá, pedia para demitir todo mundo, dizia que éramos moleques, mal-educados. Era um jornal crítico e tinha uma cobertura de dia a dia vibrante. Infelizmente foi mudando com o tempo, porque aconteceram situações políticas. Um dos diretores do jornal era amigo de infância do Ricardo Teixeira, foram criados juntos. De vez em quando, aparecia o Ricardo Teixeira na redação para entrevistarmos. E ninguém queria entrevistar. O editor nos ameaçava, “tem que entrevistar o cara”, então íamos de comboio entrevistar o Ricardo Teixeira. Tínhamos um acordo: fazíamos a entrevista, mas não assinaríamos a matéria. Era a única condição, pois sabíamos que era uma entrevista “chapa branca”, uma “operação Portugal”, no nosso jargão, feita só para falar bem do cara, então ninguém assinava. Em certo momento, a redação começou a ruir, pois um dos chefes dos editores começou a trabalhar diretamente com os cartolas. Nós combatíamos e o cara ia trabalhar com o Farah. No mesmo período, outro grupo da redação começou a trabalhar em TV por assinatura. E o terceiro grupo tinha uma empresa de assessoria de imprensa. As escalas começaram a ser feitas em função de outras pessoas e não em função do jornal. Quem não trabalhava fora dançava, e eu fui um dos que dancei. Aquilo deteriorou de tal forma o ambiente que começou a gerar vários conflitos. Reclamei da situação, briguei com meu chefe e acabei saindo de lá por causa da briga.

Comparando o momento atual com o do seu tempo de repórter, hoje tem um personagem novo que tem sido muito abordado na cobertura jornalística de 2017, o Felipe Melo, jogador do Palmeiras. Ele sendo pautado e discutido exaustivamente. Você acredita que de fato é um personagem novo? Temos carência de personagens?

O que é o Felipe Melo? Ele não tem nada de novo. Em todas as décadas do jornalismo esportivo tinha um jogador assim, um “maluco” no bom sentido, pois não vejo problemas no que ele faz. Talvez se eu estivesse no lugar dele meu comportamento seria semelhante. Ele está pagando por um crime há sete anos, ser expulso em uma partida. O Dunga nunca foi perdoado por nós da imprensa como jogador, e isso interferiu em nosso julgamento do Dunga como treinador, embora não ache que ele seja um grande treinador, longe disso. Ele virou “Era Dunga”, depois foi para duas finais de Copa do Mundo, ganhou uma. O Felipe Melo paga pelo erro da Copa de 2010 até hoje, alguns o consideram culpado. Ao mesmo tempo, todos esquecem do Kaká, do Robinho, daqueles que estavam em campo e não fizeram nada para mudar a situação. Kaká e Thiago Silva são jogadores extremamente blindados pela imprensa esportiva. O que Thiago Silva fez e faz na carreira dele é muito pior desportivamente do que o Dunga fez, e ele está sempre blindado. Parece que esses jogadores têm uma redoma, ninguém pode criticar. E faltam personagem, já que os jogadores estão muito presos pelas assessorias de imprensa. Jogador não pode falar. O cara é o craque da partida e ele não vai para a entrevista coletiva? O Felipe Melo acaba suprindo certa carência de personagens. Ele não é bobo, ao contrário, é inteligente, então sabe alimentar o próprio personagem. As entrevistas dele são dúbias: começa agradecendo a Deus, e depois dá porrada em todo mundo. Ele pegou um pouco do personagem.

Maurício Noriega - Entrevista Ludopédio-3
Noriega durante a entrevista para o Ludopédio. Foto: Max Rocha.

Ainda pensando na relação entre repórter e jogadores, ou repórter e dirigentes. A relação entre o jornalista e sua fonte é complicada. Como é essa relação de confiança com a fonte? Como tem sido essa relação no jornalismo atualmente?

Não pode ter uma relação de promiscuidade com a fonte. Não só com a fonte direta, mas com o objeto do nosso trabalho. Vou dar um exemplo. Já tive vários convites, de alguns times, para ser mestre de cerimônias de festa de centenário. Deixei de ganhar dinheiro, um bom dinheiro, mas falei não para todos. Imagine que eu seja convidado para ser mestre de cerimônias de um jogo do Caxias. Como vou comentar um jogo do Juventude depois? Para nós, é a famosa história da mulher de César. Financeiramente perdemos oportunidades. Não sou juiz da vida de ninguém, cada uma faz o que quiser. Mas, na minha maneira de ver, eu não posso fazer isso. Nós temos que preservar a fonte para ter confiança na fonte. Mesmo assim, a gente dança. Vou dar um exemplo de história que aconteceu comigo no Diário Popular. Eu cobri muitos anos, como repórter setorista, o Corinthians. Palmeiras e Corinthians eram, naquela época, clubes muito difíceis de cobrir. O São Paulo era uma ilha de tranquilidade. E o Santos era diferente, pois tinha um cara de Santos, um repórter de lá. Mas Corinthians e Palmeiras estavam sempre em ebulição. E fui construindo fontes, construindo fontes no dia a dia. Até que, certa vez, consegui um grande furo através de uma fonte: a contratação do Basílio como treinador do Corinthians. E cometi um grande erro: passei a ter 100% de confiança nessa fonte. Achei que aquela fonte nunca iria me trair, poderia bancar tudo o que ela me desse sem checar. Por isso, acabei dando uma “barriga” incrível, quando o Corinthians acertou contrato com o Banco Excel e essa fonte tinha me passado que era outro banco. Dancei nessa. Foi um grande aprendizado. Não podemos confiar 100% na fonte, temos sempre que checar duas, três, quatro vezes. Se você confia muito na fonte, acaba ficando preguiçoso. Você não pode acreditar em somente uma versão da notícia.

Você tem um conjunto muito interessante de publicações. Tentamos agrupá-las em temas. Tem o livro sobre o treinador Oswaldo Brandão, tem o livro sobre os 11 maiores técnicos do futebol brasileiro. Esse é um tema que te interessa? Nessa fase em que técnicos são tomados também como popstar, vide Mourinho, Guardiola e até Tite, qual o tamanho da importância dos técnicos atualmente?

Nós protegemos muito os jogadores de futebol no Brasil e cobramos muito dos treinadores. Tenho fascínio pelo trabalho de formação de equipes e de melhora individual do atleta. Como eu fui um atleta bom, mas não mais que isso, eu senti na pele. Quando comecei a jogar voleibol na escola, e nosso time do colégio foi campeão dos jogos mirins, nosso treinador era maravilhoso na capacidade de observar atletas e ensinar os primeiros passos, o falecido professor Antonio Carlos Enge. Fui jogar no Paulistano e passei a notar a diferença entre aquele cara que joga no clube e na escola. Na escola você acha que sabe jogar, mas quando chega no clube percebe que não sabe nada. Você vai aos poucos progredindo, aprendendo aos poucos os fundamentos, passa a ser um bom jogador de clube, vai subindo de nível. Isso sempre me fascinou. Gosto de observar no dia a dia do trabalho do treinador. Além da ligação que o Oswaldo Brandão tinha com meu pai e da sua figura mítica, o Brandão me fascinava por causa disso. Ele não tinha formação, estudou até os doze ou treze anos de idade, mas ele conhecia muito a psicologia do ser humano de uma forma intuitiva e tinha uma capacidade incrível de identificar os potenciais individuais dos jogadores. Batia o olho no jogador, sabia o que ele poderia fazer e como poderia utilizá-lo de uma forma surpreendente. Gostei de escrever sobre treinadores exatamente por causa disso. Não existe um perfil entre aqueles 11 que eu escolhi. É uma visão sobre a pavimentação do caminho de sucesso do futebol brasileiro. A partir de 1958, com o primeiro título mundial, esses caras vão aparecendo. Tem Brandão, Minelli, Béla Guttmann. O que me interessa mais no futebol é isso, como um cara pega um grupo de pessoas e naquele grupo de pessoas ele identifica habilidades individuais que podem compor um grupo forte.

E como é esse momento atual de espetacularização dos treinadores, como evidencia a situação do atual treinador da Seleção Brasileira?

Nós da imprensa – ou “vocês da imprensa”, como diz o Cléber Machado – temos muita culpa nisso. De alguns anos para cá, existe uma nova geração que tem grande preocupação em mostrar erudição. Aquela história do 4-1-4-1, 4-2-3-1, uma coisa meio enciclopédica, e acaba desaguando nessa supervalorização do trabalho do treinador. Não que seja desimportante, é super importante. Mas como hoje temos uma massa absurda de informações chegando, consome-se futebol de tudo quanto é forma: TVs por assinatura, TV aberta, pela internet. Você assiste jogo de qualquer lugar do mundo e a qualquer hora. Essa enxurrada de informações vai abastecendo as pessoas de dados, vocês sabem disso, estudam muito mais profundamente do que eu. O truque é transformar a informação em conhecimento. Não apenas sair por aí jogando informações para as pessoas. Alguns colegas têm essa obsessão, entupir a tela de dados. Isso não é necessariamente conhecimento. Eu vejo muito dessa supervalorização do treinador, supervalorização do esquema tático, como uma armadilha que nós estamos colocando para a própria mídia.

Como você vê essa questão recente, que se tornou uma grande polêmica, sobre transmissão via YouTube? Estamos em um momento de transformação no modo de se fazer transmissão esportiva no Brasil?

Provavelmente. Sou um pouco suspeito para falar disso, pois quando montamos o site SportsJá! nós fazíamos isso, transmitíamos eventos pela internet no ano 2000. A maioria das pessoas ainda não tinha conexão discada. Só alguns escritórios tinham banda larga. Nós fizemos um evento de MMA na época, uma parceria, e foi muito bom. Fazíamos programas específicos, de vídeo, para a internet. Não tem como frear essa onda. As próprias mídias tradicionais vão ter que fazer isso. Até os veículos impressos têm seus canais de vídeo. O futebol é um negócio, que disputa com música, teatro, cinema, espaço na indústria do entretenimento. É assim que os valores chegam a números absurdos, com jogadores ganhando montanhas de dinheiro, clubes faturando muito. Você tem que dançar conforme a música e não sabemos qual será a música daqui cinco anos. Talvez a plataforma utilizada pelo meu próprio veículo de trabalho seja outra que ainda nem foi inventada. Isso é perfeitamente possível daqui cinco anos. O que precisamos entender é o financiamento disso tudo, pois os clubes adoram posar de coitadinhos. “Ah, não tem dinheiro…”. Vamos fazer um levantamento dos últimos vinte anos da capitalização do futebol brasileiro. O que tinha de dinheiro há vinte anos e o que tem hoje? Quanto tem de valor de camisa e quanto a televisão botou desse dinheiro? Não estou aqui para defender a televisão, afinal não sou um diretor, apenas um funcionário. Não faço a mínima ideia do que seja uma negociação de direito de transmissão. Lá, ao contrário do que muita gente imagina, não somos obrigados a falar nada, nem a favor nem contra. É uma das maiores injustiças cometidas contra quem trabalha no grupo das Organizações Globo. Pensam que nós somos marionetes. Em quinze anos lá, ninguém pediu para eu falar A ou B, nem a favor nem contra. Já discutimos em programas os horários de transmissão de jogo. Eu vejo assim: os clubes precisam entender o que eles querem fazer com essas novas plataformas e valorizar o produto deles. Hoje existe basicamente uma fonte de receita, que sustenta o futebol há tempos: a televisão. Os próprios clubes acabaram com a entidade que negociava os direitos da forma aparentemente mais justa, com pequenas diferenças. Eles implodiram o grupo. É um terreno ao qual eu não tenho grande acesso ou grande conhecimento, é uma área de negócios e de marketing, mas acho que nós temos um grande potencial a ser explorado economicamente e temos um futebol totalmente inflacionado: salário de jogadores, preço de ingressos, patrocínios. Mesmo os patrocínios dos clubes grandes estejam acima da realidade do mercado.

Confira a segunda parte em 19 de maio.

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